future tiger O que são disruptores endócrinos, perigosas substâncias presentes em plásticos e alimentos

data de lançamento:2025-01-19 17:29    tempo visitado:176


Bisfenol A, ftalatos, éteres de difenila polibromados, fluorosurfactantes. Essas substâncias de nome complicado estão em muitos produtos, objetos, alimentos e móveis com os quais temos contato diretofuture tiger, todos os dias.

Conhecidos genericamente como disruptores ou desreguladores endócrinos, eles geram uma preocupação crescente entre profissionais da saúde e cientistas.

fortune tiger Foto mostra seis potes de plástico Esquentar ou resfriar comidas guardadas em recipientes de plástico promove a liberação de substâncias consideradas desreguladores endócrinos - Getty Images via BBC

Há diversas evidências de que centenas desses químicos fazem mal à saúde ao bagunçar o funcionamento de glândulas e hormônios, e estão ligados a diversas doenças, como infertilidade, ganho de peso, diabetes e até alguns tipos de câncer.

Mas que evidências temos sobre o papel desses disruptores endócrinos? E existem meios de evitá-los completamente, ou ao menos reduzir o contato com essas substâncias?

A BBC News Brasil ouviu especialistas no tema para encontrar respostas para essas e outras perguntas, como você confere a seguir.

O que são os disruptores endócrinos?

"Os desreguladores são toda e qualquer substância que existe no meio ambiente, no ar, na água ou na terra, que interfere de alguma maneira com o nosso sistema endocrinológico", resume a médica Elaine Frade Costa, coordenadora da Comissão de Endocrinologia Ambiental da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem).

Vale lembrar aqui que o sistema endocrinológico é formado por glândulas, como o pâncreas, a tireoide e as suprarrenais, entre outras, que fabricam hormônios como insulina, T3 e cortisol.

Essas substâncias são essenciais para o funcionamento do corpo. A insulina, por exemplo, permite que a glicose dos alimentos entre nas células para ser usada como fonte de energia. Já o T3 dita o ritmo de funcionamento do organismo.

O grande problema é que os disruptores endócrinos possuem uma estrutura química muito parecida com a dos hormônios.

Com isso, eles conseguem se encaixar nos mesmos receptores das células onde os hormônios agem e geram uma resposta alterada do organismo.

"É como se fosse um mecanismo de chave e fechadura. Quando o desregulador se encaixa nos receptores, ele pode atrapalhar o desenvolvimento endocrinológico, ou seja, a ação ou a produção dos hormônios", explica Costa.

Até o momento, mais de 800 substâncias diferentes foram classificadas como disruptores endócrinos.

Os mais famosos são o bisfenol A (BPA) e os ftalatos, presentes em utensílios plásticos, além de compostos que aparecem na poluição atmosférica de grandes cidades e alguns pesticidas e herbicidas aplicados nas lavouras.

Foto mostra um homem asiático, de pele clara e cabelos curtos pretos, plicando pesticida em plantação. Ele usa uma camisa grossa por cima de uma camiseta, calça jeans e botas. Os disruptores têm uma estrutura química parecida a de hormônios - Getty Images via BBC Quais os malefícios dos disruptores endócrinos à saúde?

Uma revisão sobre o tema realizada por uma comissão de especialistas e publicada em agosto de 2020 no periódico The Lancet resume os principais impactos dos desreguladores na saúde humana.

Segundo os autores, as evidências mais sólidas apontam que a exposição pré-natal (durante a gestação) a éteres de difenila polibromados (composto usado como retardante de chamas em móveis) e pesticidas organofosforados estão ligados ao baixo QI (quociente de inteligência) e à deficiência intelectual.

O nível de evidência para essa relação foi considerado de moderado a alto.

Ainda durante o desenvolvimento embrional, há trabalhos que ligam alguns desreguladores a transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), autismo, obesidade na infância e na fase adulta, diabetes, câncer no testículo, infertilidade masculina e endometriose.

A BBC News Brasil entrou em contato com o líder da comissão para saber se novas evidências surgiram nos quatro anos desde que o trabalho foi publicado.

O professor Leonardo Trasande, chefe do Departamento de Pediatria Ambiental da Escola de Medicina da Universidade de Nova York, nos EUA, compartilhou alguns estudos publicados recentemente que ligam a exposição aos ftalatos (presentes em alguns plásticos) a partos prematuros.

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Costa destaca algumas pesquisas sobre o assunto que foram realizadas no Brasil.

Em uma delas, foi observada uma maior frequência de inflamações na tireoide entre pessoas que moravam nas proximidades de um polo petroquímico no Grande ABC, em São Paulo.

Os autores averiguaram que alguns poluentes presentes na água e no ar poderiam estar relacionados a esse fenômeno.

Já um trabalho experimental orientado por Costa avaliou o impacto de algumas substâncias presentes no ar poluído do centro de São Paulo em roedores.

"Vimos que os animais expostos, especialmente depois da fase pré-natal, tinham uma desorganização importante na produção de espermatozoides", conta ela.

"Isso serve de alerta e pode ajudar a explicar em parte a crescente incidência de infertilidade entre casais humanos", complementa ela.

Qual o nível de evidência científica disponível sobre o efeito dos disruptores endócrinos?

A pesquisadora Angélica Amato, da Universidade de Brasília (UnB), destaca que existem três tipos de estudos que são feitos para avaliar os desreguladores.

"Um deles são os trabalhos epidemiológicos que envolvem seres humanos. Eles investigam a associação entre a exposição a um disruptor endócrino e a ocorrência de doenças", diz ela.

Ou seja: os pesquisadores avaliam uma população que, por um motivo ou outro, teve um contato com alguma dessas substâncias para ver se eles apresentam uma frequência maior de certas enfermidades em comparação com a média da região, do país, do continente ou do mundo inteiro.

"Mas os estudos epidemiológicos não são capazes de definir que essa associação representa uma relação de causa e efeito", pondera ela.

As outras duas possibilidades são as pesquisas experimentais. Aqui, a ideia é expor cobaias (como roedores) ou células cultivadas em laboratório aos compostos químicos, para ver como elas se comportam.

"Esses trabalhos fornecem evidências de causa e efeito entre a exposição aos disruptores endócrinos e os desfechos, como as doenças", observa Amato.

Mas, é claro, essa estratégia também tem as suas limitações, afinal, um conjunto de células e uma cobaia são modelos experimentais, mas não representam fielmente todas as complexidades e particularidades do corpo humano.

As dificuldades não param por aí: os métodos de pesquisa também não conseguem captar com exatidão o impacto da exposição a múltiplos disruptores endócrinos.

Não sabemos qual o efeito combinado ou acumulado de todas essas substâncias com as quais temos contato diário por meio da comida, da água, do ar...

"Outra dificuldade é que a maioria dos estudos avalia a exposição aos disruptores por meio da concentração deles no sangue e na urina. O problema é que muitos estão presentes por um curto período nesses fluidos, mas são armazenados em outros tecidos do organismo", acrescenta a pesquisadora da UnB.

Mesmo com todas essas barreiras, as pesquisas nessa área têm avançado, e por meio da combinação de trabalhos epidemiológicos e experimentos em laboratório, permitem entender melhor os efeitos de muitos dos desreguladores mais comuns.

Foto mostra uma frigideira preta fritando um ovo. Especialistas sugerem trocar panelas antiaderentes por versões de ferro ou aço inoxidável - Getty Images via BBC Existem pessoas mais vulneráveis aos disruptores endócrinos?

A resposta é sim. Há uma preocupação maior com três momentos da vida: a fase intrauterina (durante a gestação), a infância e a adolescência, que são consideradas janelas de maior suscetibilidade.

"O principal motivo é que, nessas fases, as células do corpo estão em maior movimento e em constante renovação", justifica Costa.

"Portanto, se você tiver contato com uma substância que interfere nesse processo, isso pode causar alguma doença", complementa a endocrinologista.

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Não à toa, os principais estudos avaliam questões de saúde relacionadas à gravidez (parto prematuro) e à infância e à adolescência (TDAH, autismo e deficiência intelectual).

Mas é claro que os efeitos do contato com os disruptores no começo da vida pode cobrar um preço mais tarde por meio de condições como infertilidade, obesidade, diabetes e alguns tipos de câncer, como sugerem as evidências recentes.

"E também há o conceito de desregulação endócrina transgeracional", diz a médica.

"Em outras palavras, a exposição de pais e mães aos desreguladores altera os espermatozoides ou os óvulos deles. Essa herança passa para o filho, e a segunda ou a terceira geração desenvolve uma doença", detalha ela.

Quando os disruptores endócrinos viraram uma preocupação?

Em linhas gerais, dois fenômenos soaram o alerta dos especialistas.

"Primeiro, observou-se o aumento de casos de um tipo de câncer vaginal em mulheres cujas mães usavam uma pílula anticoncepcional chamada dietilestilbestrol", lembra Costa.

Esse medicamento era usado entre meados dos anos 1940 até a década de 1970, mas foi retirado das farmácias há décadas.

Essa substância agia como um desregulador endócrino e gerou um desfecho grave (e desconhecido até então).

O segundo fenômeno aconteceu entre jacarés e crocodilos que habitavam um lago da Flórida, nos Estados Unidos, que estava contaminado com químicos, como o pesticida DDT.

Durante os anos 1990, alguns pesquisadores notaram que esses animais apresentavam anomalias importantes no sistema reprodutivo.

Alguns machos tinham uma baixa concentração de hormônios sexuais, como a testosterona, e uma redução no tamanho do pênis.

Havia, inclusive, um declínio na população desses animais, com um desequilíbrio relevante na quantidade de machos, e uma abundância anormal no número de fêmeas.

Os trabalhos mostraram que esse quadro poderia ser explicado pela presença elevada de substâncias estrogênicas (ligadas aos hormônios femininos) no local.

Foto mostra um homem branco, com cabelos castanhos curtos, vestindo uma camiseta vermelha abrindo a porta de um micro-ondas com a mão esquerda e colocando, dentro do aparelho, um pote de plástico amarelo com a mão direita. Temos a visão de dentro do micro-ondas. Médicos sugerem que comida seja guardada em potes de vidro sempre que possível - Getty Images via BBC O que os governos podem fazer para proteger a população dos disruptores endócrinos?

Os pesquisadores ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que as políticas públicas estão muito atrasadas na regulamentação e no controle desses compostos químicos.

"Ainda falta muito conhecimento das pessoas sobre os perigos dos desreguladores endócrinos", observa Costa.

"A Europa e os Estados Unidos estão um pouco mais avançados em relação às pesquisas, mas esses lugares também não têm muitas políticas públicas nessa área", complementa ela.

A médica diz que a principal confusão envolve termos como toxicidade. Quando o assunto são os disruptores, muitas vezes não existe um valor mínimo que o organismo consegue suportar ou tolerar.

Alguns desses elementos químicos fazem mal mesmo em baixíssimos níveis, pois essa quantia reduzida já é suficiente para se encaixar nos receptores das células e causar o estrago.

Para Amato, os países precisam se valer do princípio da precaução, por mais que não tenhamos evidências 100% sólidas sobre os malefícios dos disruptores, os indícios disponíveis já são suficientes para exigir ações e cuidados dos governos.

"As políticas de regulação à exposição aos disruptores endócrinos estão mais desenvolvidas e são mais abrangentes na União Europeia", cita ela.

"Nessa região, há limitações no uso de certos produtos quando existem indícios de efeitos potencialmente adversos ao ambiente, aos humanos e às espécies animais, mesmo na ausência de certeza científica", complementa a especialista.

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Trasande cita um artigo que ele ajudou a escrever em 2023, que sugere algumas políticas públicas para lidar com esse problema.

"Pesquisas demonstram que políticas e intervenções implementadas tanto do ponto de vista individual como governamental têm o potencial de reduzir a exposição aos disruptores endócrinos", defendem os autores.

O artigo também cita a necessidade de padronizar critérios, definir limites ou entender os efeitos da exposição múltipla às centenas de disruptores conhecidos.

O que cada pessoa pode fazer para diminuir o contato com os disruptores endócrinos?

Em alguns casos, é praticamente impossível fugir dos desreguladores, uma pessoa que vive numa cidade cuja qualidade do ar não é das melhores vai necessariamente ter contato com poluentes ao respirar, por exemplo.

Mas há certos disruptores em que dá para reduzir ou até cortar completamente o contato.

O primeiro exemplo disso envolve o uso de plásticos, especialmente para armazenar a comida.

"Prefira sempre recipientes de vidro", orienta Costa.

A médica explica que muitos potes de plástico liberam substâncias que mexem no sistema endocrinológico quando são aquecidos no micro-ondas (ou recebem comida quente).

O mesmo vale para o processo de resfriamento, quando esses utensílios vão para a geladeira ou para o freezer.

Segundo a endocrinologista, o ideal é evitar até mesmo os plásticos que são livres de BPA (bisfenol A), um dos disruptores mais conhecidos e estudados.

Isso porque esses objetos trazem outras substâncias que também têm o potencial de mexer com receptores e hormônios.

Ainda na cozinha, Trasande sugere evitar comidas enlatadas, muitas das latas têm um verniz ou uma película no revestimento interno que possui alguns disruptores conhecidos e usar panelas e frigideiras de aço inoxidável ou de ferro no lugar de utensílios antiaderentes (cuja composição também traz alguns desreguladores).

"Outra orientação é passar regularmente aspirador de pó com filtro Hepa e usar um pano úmido para remover poluentes dos ambientes da sua casa", acrescenta o pesquisador.

Por fim, Amato chama a atenção para as escolhas alimentares.

"É importante evitar o consumo de alimentos e bebidas processados e adquirir frutas, legumes e verduras livres de pesticidas", conclui a pesquisadora.

Este texto foi originalmente publicado aqui.

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